CONTO DO MÊS
Ernest Hemingway – Montes como elefantes
brancos
(Tradução
de Luísa Costa Gomes)
Os montes para além do
vale do Ebro eram compridos e brancos. Do lado de cá não havia sombra nem
árvores e a estação ficava ao sol entre as duas linhas. Mesmo pegada à estação
havia a sombra quente do edifício e uma cortina de contas de bambu, pendurada
na porta aberta do bar, afastava as moscas.
- O que é que vamos
beber? - perguntou a rapariga. Tirara o chapéu e pusera-o em cima da mesa.
- Está bastante calor -
disse o homem.
- Vamos beber cerveja.
- Dos cervezas - disse
o homem para dentro da cortina.
- Grandes?- perguntou,
da soleira, uma mulher.
- Sim. Duas grandes.
A mulher trouxe dois
copos de cerveja e duas bases de feltro. Pôs as bases e os copos na mesa e
olhou para o homem e para a rapariga. A rapariga estava a olhar para a linha
dos montes. Ao sol, eram brancos e a região toda castanha e seca.
- Parecem elefantes
brancos - disse ela.
- Nunca vi nenhum. - O
homem bebeu a cerveja.
- Não, claro, nem podias.
- Até podia ter visto -
disse o homem. - Lá porque dizes que não podia ter visto, não prova nada.
A rapariga olhou para a
cortina de bambu.
- Pintaram ali qualquer
coisa - disse ela. - O que é que diz?
- Anis deI Toro. É uma
bebida.
- Podemos provar?
O homem chamou «Olhe!»,
pela cortina.
A mulher saiu do bar.
- Quatro reales.
- Queremos dois Anis
deI Toro.
-Com água?
- Queres com água?
- Não sei - disse a
rapariga. - É bom com água?
-Pode ser.
- Querem com água? -
perguntou a mulher.
- Sim, com água.
- Sabe a alcaçuz -
disse a rapariga e pousou o copo.
- É assim com tudo.
- É - disse a rapariga.
- Sabe tudo a alcaçuz.
Principalmente as coisas por que esperámos tanto tempo, como o absinto.
- Oh, não comeces.
- Tu é que começaste -
disse a rapariga. - Eu estava divertida. Estava a passar um bom bocado.
- Bem, então vamos
tentar passar um bom bocado.
- Está bem. Eu estava a
tentar. Disse que as montanhas pareciam elefantes brancos. Não foi inteligente?
- Essa foi inteligente.
- Quis provar esta
bebida. É só o que fazemos, não é? - olhar para as coisas e experimentar novas
bebidas.
- Acho que sim.
A rapariga olhou para
os montes.
São lindos, aqueles
montes - disse. - Não se parecem bem com elefantes brancos. Só queria dizer a
cor da pele deles através das árvores.
- Vamos beber outra?
-Está bem.
O vento quente atirou a
cortina contra a mesa.
- A cerveja está bem
gelada - disse o homem.
- Está óptima - disse a
rapariga.
- A operação é
realmente muito simples, Jig - disse o homem. - Nem é bem uma operação.
A rapariga olhou para o
chão, onde assentavam as pernas da mesa.
- Sei que não te vais
importar, Jig. É uma coisa de nada. É só para deixar entrar o ar.
A rapariga não disse
nada.
- Vou contigo e fico
contigo o tempo todo. Fazem com que o ar entre e depois fica tudo completamente
natural.
- E o que é que fazemos
depois?
- Depois ficamos bem.
Como dantes.
- Que é que te leva a
pensar isso?
- É a única coisa que
nos preocupa. É a única coisa que nos tem feito infelizes.
A rapariga olhou para a
cortina, estendeu a mão e agarrou duas fiadas de contas de bambu.
- E achas que depois
ficamos bem e seremos felizes.
- Sei que seremos. Não
tens de ter medo. Conheço montes de gente que já fez isso.
- Também eu - disse a
rapariga. - E depois foram todos tão felizes.
- Bem - disse o homem -
se não quiseres, não és obrigada. Nem eu queria que fizesses, se tu não
quisesses. Mas sei que é simplicíssimo.
- E tu queres mesmo?
- Acho que é o melhor a
fazer. Mas não quero que faças, se não quiseres mesmo.
- E se eu fizer, tu
ficas feliz e as coisas voltam a ser como dantes e tu amas-me?
- Já te amo agora.
Sabes bem que te amo.
- Eu sei. Mas se fizer
a operação, vai ser outra vez bom eu dizer que as coisas são como elefantes
brancos, e tu vais gostar de ouvir?
- Vou adorar. Já gosto,
mas não consigo é pensar nisso. Já sabes como é que eu sou quando estou
preocupado.
- Se eu fizer, nunca
mais te preocupas?
- Não me vou preocupar
com isso, porque é simplicíssimo.
- Então faço. Porque
não me importo comigo.
-Como assim?
- Não me importo
comigo.
- Eu importo-me
contigo.
- Sim, claro. Mas eu
não me importo comigo. E faço-a e depois fica tudo bem.
- Não quero que faças,
se sentes isso.
A rapariga levantou-se
e andou até ao fim da estação. Do outro lado havia campos de trigo e árvores ao
longo das margens do Ebro. Longe, para lá do rio, havia montanhas. A sombra de
uma nuvem atravessou os campos de trigo e ela viu o rio por entre as árvores.
- E podíamos ter isto
tudo - disse ela. - E podíamos ter tudo e cada dia que passa o tornamos mais impossível.
- Que é que disseste?
- Disse que podíamos
ter tudo.
- Podemos ter tudo.
- Não, não podemos.
- Podemos ter o mundo
todo.
- Não, não podemos.
- Podemos ir a todo o
lado.
- Não, não podemos. Já
não é nosso.
-É nosso.
- Não, não é. E depois
de no-lo tirarem, já não o voltamos a ter.
- Mas não tiraram.
- Isso é o que vamos
ver.
- Volta aqui para a
sombra - disse ele. - Não fiques assim.
- Não fico de maneira
nenhuma - disse a rapariga. - Eu é que sei.
- Não quero que faças
nada que não queiras fazer...
- Nem nada que não seja
bom para mim - disse ela. - Eu sei. Podemos beber outra cerveja?
- Está bem. Mas tens de
perceber ...
- Percebo - disse a
rapariga. - Será que podíamos parar de falar?
Ficaram sentados à mesa
e a rapariga olhou para os montes do lado seco do vale e o homem olhou para ela
e para a mesa.
- Tens de perceber -
disse ele - que eu não quero que faças, se não quiseres. Passo de bom grado por
tudo isso contigo, mas se isso tiver significado para ti.
- E para ti não
significa nada? Podíamos chegar a um acordo.
- Mas é claro que
significa. Só te quero a ti. Não quero mais ninguém. E sei que é perfeitamente
simples.
- Sim, sabes que é perfeitamente
simples.
- Diz o que quiseres,
mas eu sei que é.
- Eras capaz de me
fazer um favor?
- Faria tudo por ti.
- Eras capaz de por
favor, por favor, por favor, por favor, por favor, por favor, por favor parares
de falar?
Ele não disse nada mas
olhou para as malas encostadas à parede da estação. Tinham etiquetas de todos
os hotéis onde tinham passado noites.
- Mas não quero que
faças - disse ele - quero lá saber disso!
- Eu grito - disse a
rapariga.
A mulher saiu pela
cortina com dois copos de cerveja e pousou-os nas bases de feltro molhadas.
- O comboio chega daqui
a cinco minutos - disse ela.
- Que é que ela disse?
- perguntou a rapariga.
- Que o comboio chega
daqui a cinco minutos.
A rapariga fez um
grande sorriso à mulher, para lhe agradecer.
- É melhor eu levar as
malas para o outro lado da estação - disse o homem. Ela sorriu-lhe.
- Está bem. Depois
volta, e acabamos a cerveja.
Ele pegou nas duas
malas pesadas e carregou-as, dando a volta à estação, para a linha do outro
lado. Regressando, atravessou o bar, onde bebiam as pessoas que esperavam pelo
comboio. Bebeu um anis no bar e olhou para as pessoas. Todas esperavam,
sensatas, pelo comboio. Saiu pela cortina de contas. Ela estava sentada à mesa
e sorriu-lhe.
- Estás melhor? -
perguntou ele …
- Estou óptima - disse
ela.
- Não tenho
absolutamente nada. Estou óptima.
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